O que é ser mulher em Tecnologia

Acho incrível quando as pessoas se admiram com o fato de eu ser mulher e ter trabalhado na área de Tecnologia.

Na minha época, era comum ter mulheres nos cursos de computação, processamento de dados e análise de sistemas, que eram as opções disponíveis na época.

E mesmo quando fiz estágios em programação e depois em análise de sistemas, também encontrei um número equilibrado de homens e mulheres dentro das empresas. E isto nunca foi uma novidade para mim.

Por este motivo as vezes não entendo a admiração de alguns quando revelo que trabalhei em TI, ainda mais quando digo que me aposentei nesta área. Uma amiga, na mesma situação quase virou estudo de caso na faculdade onde passou a dar aulas depois de aposentada.

Por que escolhi esta área?

Na verdade, eu não sei, costumo dizer que eu caí de paraquedas e acabei ficando, mas isto tem uma explicação: Gostava de matemática, era boa aluna, e não queria somente dar aulas, queria algo mais complexo e desafiador. E a única informação que tínhamos sobre esta área, na época, é que se tratava de um curso que usava muito a matemática.

Não posso esquecer de um detalhe que também influenciou na minha escolha: consegui passar no vestibular sem a necessidade de fazer o famoso cursinho, era uma vitória para mim, sendo que alguns conhecidos não tiveram a mesma sorte.

Este foi o estímulo decisivo para acreditar que eu tinha encontrado meu caminho! Era muito nova, e não tive tempo para procurar outras opções, e a possibilidade de desistir do curso não existia! Bem diferente do que vejo hoje.

Consegui estágio em programação COBOL no 3º ano, e adorava! Apesar de pegar 12 conduções por dia, entre ônibus e metro. Estudava muito, nunca peguei uma dependência, e finalizei o curso no menor tempo possível.

No último ano iniciei a busca por um estágio em análise de sistemas, que era a área do meu curso. Um cenário bem mais difícil, com pouquíssimas opções, e muita exigência, mas consegui ainda no último período. Me sentia a pessoa mais privilegiada do mundo.

Era uma empresa de consultoria que trabalhava com o que havia de mais atual na área, e ainda acordava com o tema que havia escolhido para o meu TCC. Me encantava com as palestras e reuniões com os gerentes, diretores e a presidência que estava bem próxima. Eram para mim pessoas super “antenadas”, e me inspiravam. Eu queria ser assim um dia.

Por que é tão difícil ser mulher na área de TI?

Como já citei, no início não vi muita diferença, só comecei perceber alguma coisa quando deixamos de ser especialista e passamos a almejar promoções para cargos mais altos e de liderança.

Mas isto não acontece em qualquer área? Acredito que sim. E muitas profissões, e todas vão exigir, muita dedicação e atualização constante.

Só que para muitos superiores este tipo de dedicação, considerada fundamental, era mais custosa para mulheres, e isto dificultava a promoção.

Passou a ser visível que para uma mulher conseguir se destacar, tinha que se dedicar muito mais que um homem, e provar que era capaz de assumir as mesmas responsabilidades, mas dificilmente conseguiria igualar o salário.

E sempre existiam estratégias para que ninguém percebesse o motivo real. Era comum escutar dos superiores que estava sendo poupada, mesmo não tendo demostrado esta necessidade. Ouvi até que tinha passado da idade, e para fazer isto somente os mais jovens.

É importante lembrar que, em muitos casos, a prepotência e a humilhação é gerada por outras mulheres. São aquelas que querem ser únicas, e acabam oprimindo qualquer uma que tenta chegar perto, ou que ameaça seu monopólio.

Mas o que passou a ser inaceitável, para mim, era a necessidade de abdicar de minha vida pessoal, deixando de lado família, o lazer, o descanso, as férias e tudo mais que não fosse trabalho. Cheguei a ficar anos sem tirar feriar, e isto só mudou quando a lei passou a obrigar.

Por que você ficou tanto tempo na área ou nesta empresa?

No início eu queria aprender tudo que estivesse ao meu alcance, e vivia atrás de novidades que pudessem enriquecer meu currículo. Mas chegou um determinado momento que isto não era mais possível e passamos a ser privados até mesmo de atividades elementares que faziam parte do meu dia a dia.

E o mais incrível é que achava tudo normal, acreditava que para ter uma carreira de sucesso e ser reconhecido era preciso trabalhar desta maneira e se sujeitar a tudo que nos obrigavam. Esta história eu conto em detalhes no meu livro “Uma Visão do Mundo Corporativo”, que está disponível na Amazon.

Foi neste momento que percebi a dificuldade de mudar de emprego e até de área. Além de um bom planejamento técnico, financeiro é preciso estar preparado psicologicamente para o novo desafio. Quando você depende do salário, e no meu caso, de alguns benefícios, a mudança acaba ficando quase impossível!

Eu já estava frequentando cursos de atualização, inclusive para publicação de livros, para quando me aposentasse, mas demissão veio antes.

A área de TI é promissora?

É comum encontrarmos anúncios que oferecem vagas na área de TI, como sendo uma área promissora, e que apesar da situação que vivemos, tem o melhor cenário e incentivavam uma transição.

Eu diria que é uma boa opção para quem é jovem, está no início da carreira, e tem todo o tempo do mundo para se dedicar a empresa, independente do sexo. E os salários são convidativos.

Mas tudo tem seu preço!

É preciso ter em mente que vai ter que trabalhar mais de 8 horas por dia, e em muitos casos, sem direito a hora extra, vai ter que virar muitas noites acompanhando a execução de sistemas críticos, e que não podem parar. Já conhecia o home office, mas o nome de plantão, e isto significa estar disponível para a empresa 24 horas por dia e 7 dias por semana, era comum trabalhar nos finais de semana.

E não espere que no seu projeto var dar tudo certo. Nunca dá! Você vai ter muitos problemas e que escutar muita reclamação, isto porque por mais que você se esforce, faça teste, simulações, falhas sempre ocorrem, e você dificilmente vai agradar a todos.

O trabalho não acaba, e isto pode ser bem frustrante para pessoas, que como eu precisam de realização. Ficava com aquela sensação de nunca conseguir terminar algo de concreto.  

Em TI a experiência não conta?

Como se trata de uma área que muda rapidamente e precisa de uma atualização constante, a experiência técnica não conta muito, mas a experiência em liderança e gestão deveria ser mais aproveitada.

Para algumas pessoas, sair da área de TI, significa que você não sabe mais usar nenhum tipo tecnologia. Li numa reportagem, que a área de TI é a área onde você é considerado velho dez anos antes do que qualquer outra área. Um profissional de TI com 40 já está ultrapassado, e se for mulher a coisa fica bem pior. 

Mas esquecem que tivemos que trabalhar com uma tecnologia bem menos “user friendly” do que as atuais, e isto talvez nos torne capacitados para aprender novas tecnologias, até de forma mais rápida.

Agora me considero uma excelente usuária, sei usar os aplicativos da Microsoft, sei usar o google, redes sociais, e até faço manutenção no meu blog, mas eu nunca consertei impressora, nem mesmo a minha. É comum as pessoas não entenderem a diferença e sempre tem uma impressora que não funciona para você dar uma “olhadinha”.  

Comecei a sentir o peso da idade ainda dentro da empresa, mas fora dela foi mais intenso, e acreditem, em uma instituição de ensino, onde se formam futuros profissionais, e que provavelmente vão seguir este exemplo.

Sinto a obrigação de falar

No início é tudo perfeito, você é jovem e está disposto a dar tudo de si para ter sucesso na carreira, mas vai chegar um momento que você vai querer tranquilidade, estar mais com a família, encontrar amigos, e sentir a necessidade de algo mais, e não vai conseguir.

Acredito que hoje as empresas, com um RH mais ativo, estão investindo de forma mais intensa em benefícios para atrair novos profissionais e reter atuais colaboradores, amenizando o estresse desta área, o que não existia antes.  

Como incentivar mulheres a entrar na área?

Tenho visto diversas palestras, livros e artigos com a proposta de aumentar o número de mulheres na TI. Como na minha época o número de mulheres e homens era equilibrado, nunca havia entendido esta necessidade.

Recebi um convite para participar como coautora de um livro que tinha proposta de incentivar o aumento de mulheres na área de tecnologia, fiquei muito entusiasmada no início, mas ao analisar a proposta, acabei não aceitando. Acho que não seria verdadeira.

Eu tenho dificuldades de incentivar, não só mulheres, mas qualquer pessoa que tenha interesse de migrar para esta área, devido a tudo que passei. E analisando bem todos os aspectos, acho que foi a minha geração que acabou desincentivando as mulheres a entrar na área de tecnologia.

Percebo isto em minha própria casa, onde minha filha, sem que eu tenha demonstrado qualquer desejo, nunca teve interesse de entrar nesta área, somente acompanhando as crises e sacrifícios que passávamos. E mesmo passando o dia inteiro no Notebook, ela não quer de forma nenhuma entrar no mundo corporativo.

Como foram os ultimos anos

Os últimos anos de empresa só foram possíveis com muita terapia e remédios. Quando a demissão veio, comemorei com sendo a melhor coisa que já tinha me ocorrido. Estava livre de uma série obrigações e responsabilidades que me aborreciam diariamente.  

Apesar de estar exausta da minha situação atual, é importante ressaltar que só consegui perceber e entender uma série de episódios depois de sair da empresa, pela facilidade de ver e entender as coisas estando fora dela.

Por este motivo quando sai da área, não queria mais voltar. Mas queria usar o meu conhecimento de outra forma, inclusive para orientar os futuros profissionais de TI. E sai em busca de uma oportunidade no mundo acadêmico. mas logo percebi que não tinham nenhum interesse no meu conhecimento e na minha experiencia, e o clima que encontrei não era muito diferente do que tinha vivido 30 anos.

Ainda existe muita pressão!

A alguns dias, comentei em um post no LinkedIn, que falava sobre a quantidade de vagas na área de TI, e os salários convidativos, citando as desvantagens. Me senti uma verdadeira “hater”, e quase pedi desculpas para a autora do post, que era uma pessoa bem conhecida. Mas isto me rendeu a venda do meu livro, e quase uma contratação para mentoria.

Desde que sai da empresa sou cobrada por amigos e conhecidos, querem saber se já me recoloquei. A pergunta mais comum é: Como está indo a procura por um novo emprego?

Quando digo que estou partindo para outra área a próxima pergunta é: Vale a pena trabalhar nisto? Mas você vai ganhar dinheiro fazendo isto?

Raramente me perguntam se é isto que eu quero, se estou feliz escrevendo, ou qual é a minha pretensão.

Foi bom enquanto durou, mas acabou

Por todos estes motivos eu afirmo, eu me orgulho de ter trabalhado em TI, tenho saudades de alguns momentos e dos amigos que fiz, mas não sinto disposição de voltar para este mundo.

E ainda o passar dos anos, entrar na maturidade, tem me feito ver que há um mundo maravilhoso que estou descobrindo, e que não posso deixar de aproveitar. Estou em outro momento, e aprendi que precisamos viver cada ciclo, intensamente.

Este texto foi na verdade um desabafo, e os detalhes de como estou vivendo esta nova fase estão no meu segundo livro, aguardem…